A
Escola Austriaca – Protagonismo do Estado vs. Protagonismo da Sociedade
Este artigo tenta
mostrar por que os esforços para melhorar a competitividade, especialmente no
Brasil, requerem compreender melhor os conceitos defendidos pela Escola
Austríaca de Economia, convencidos que estamos que devolver à sociedade,
especialmente aos indivíduos, o seu devido protagonismo, em substituição ao
protagonismo do Estado, característica atual, é imprescindível para a retomada
do progresso sustentado.
§
Visão Histórica – o
surgimento da Escola Austríaca
Os
séculos XVIII e XIX representam historicamente os que marcaram uma
transformação na sociedade. Esta transformação é comumente associada à
Revolução Industrial. Esta Revolução por sua vez, é rotineiramente explicada
como sendo fruto do desenvolvimento tecnológico decorrente da disseminação do
conhecimento propiciado pela invenção da imprensa no século XV.
Todo
este período, que teve início na Renascença, possui identificação ideológica
com os princípios defendidos pela Escola Austríaca. Carl Menger (1840 – 1921) é
considerado o fundador desta Escola. Seus discípulos foram Böhm-Bawerk (1851 –
1914), Ludwig Von Misses (1881 – 1973) e Friederich Hayek (1889 – 1992). A
inspiração inicial pode ser identificada nos notáveis teóricos que foram os
membros da Escola de Salamanca do Século de Ouro espanhol.
Sob
uma perspectiva sócio-económica, para Hayek “.. a civilização construída pelo
homem moderno a partir da Renascença era, acima de tudo, uma civilização
individualista. O individualismo, que a partir de elementos fornecidos pelo
cristianismo e pela filosofia da antiguidade clássica pôde desenvolver-se pela
primeira vez em sua forma plena durante a Renascença e desde então evoluiu e
penetrou na chamada civilização ocidental, tendo como característica essencial
o respeito pelo indivíduo como ser humano, isto é, o reconhecimento da
supremacia de suas preferências e opiniões na esfera individual, por mais limitada
que esta possa ser, e a convicção de que é desejável que os indivíduos
desenvolvam dotes e inclinações pessoais.”
Foi
uma época essencial para a evolução da civilização ocidental com base em
princípios que posteriormente se materializaram nas Constituições de diversos
países, tais como liberdade, respeito à propriedade privada e liberdade de
expressão.
§
O Socialismo e seu
impacto na vida moderna
Já
no fim do século XIX e no início do século XX a sociedade foi afastando-se
progressivamente das ideias básicas sobre as quais se erguera a civilização
ocidental, gerando, por um lado, as ideias defendidas a partir de Adam Smith
pelos economistas neoclássicos, e por outro, as ideias socialistas que geraram
os regimes fascistas e comunistas, ou seja, os totalitarismos que se
manifestaram inicialmente na Rusia, Alemanha e Itália, provocando duas guerras
mundiais, a guerra fria, a guerra da Coreia, a guerra do Vietnã as tentativas
de tomada do poder por meio do terrorismo na Europa e na América Latina a
partir do fim da década de 60 até os anos80. Mesmo após a queda do muro de
Berlim, o socialismo continua gerando regimes totalitários e guerras. Os regimes
nos países árabes, no oriente médio e os regimes como os de Irã, Iraque,
Afeganistão, Paquistão e Síria, têm como gênese a intolerância, em
contraposição à tolerância que reina nos países onde o individualismo e a
liberdade preponderam. Mesmo nestes países, aos poucos foi sendo abandonada
aquela liberdade de ação econômica sem a qual a liberdade política e social
jamais existiu no passado.
O
individualismo tem hoje uma conotação negativa e passou a ser associado ao
egoísmo. Mas o individualismo a que nos referimos, em oposição ao socialismo e
a todas as outras formas de coletivismo, não está necessariamente relacionado a
tal acepção. Está intimamente ligado ao que esta Escola do pensamento denomina
a Função Empresarial.
§
A Função Empresarial
O
exercício da função empresarial acontece quando qualquer pessoa atua
modificando o presente para conseguir os seus objetivos no futuro. Em suma,
empresa é sinônimo de ação e atitude empreendedora que consiste em
continuamente tentar procurar, descobrir ou criar novos fins e meios ou
basicamente em descobrir e avaliar as oportunidades de conseguir algum
benefício ou lucro levando em conta as circunstâncias do seu meio ambiente,
agindo de modo a aproveitá-las.
Quer
dizer que nós agimos sempre como empresários e que este termo não fica restrito
apenas àqueles que são proprietários de uma empresa. Agimos desta forma tanto
como produtores quanto como consumidores.
Toda
vez que se descobrem ou criam novos meios e/ou fins há uma modificação do
conhecimento do empresário, que passa a possuir uma nova informação que antes
não tinha.
Para
melhor compreensão, segue um trecho do livro A Escola Austríaca, de Jesus
Huerta de Soto (2ª Edição - Instituto Ludwig von Mises Brasil – 2010): “Para os
austríacos, a economia está integrada dentro de uma ciência muito mais geral e
ampla, uma teoria da ação humana (e não da decisão ou escolha humanas defendida
pelos economistas neoclássicos).” Para a Escola Austríaca “ .. a Ciência
Econômica constrói-se partindo sempre do ser humano real de carne e osso,
considerado como agente criativo e protagonista de todos os processos sociais.
As restrições em economia não são impostas por fenômenos objetivos ou fatores
materiais do mundo exterior (por exemplo, as reservas de petróleo), mas antes
pelo conhecimento humano de tipo empresarial (a descoberta de um carburador que
conseguisse duplicar a eficiência dos motores de explosão teria o mesmo efeito
econômico que uma duplicação do total de reservas físicas de petróleo). Por
isso, para a Escola Austríaca, a produção não é um fato físico natural e
externo, sendo antes, pelo contrário, um fenômeno intelectual e espiritual
(Mises, 1995: 169).”
Ainda
conforme Jesus Huerta de Soto na mencionada obra: “O ato empresarial consiste
basicamente em criar ou transmitir nova informação que forçosamente há de
modificar a percepção geral de objetivos e de meios de todos os agentes
implicados na sociedade. O problema econômico fundamental que se coloca na
Escola Austríaca consiste em estudar o processo dinâmico de coordenação social
no qual os diferentes seres humanos geram empresarialmente e de forma
continuada nova informação (que, portanto, jamais está “dada”, como pressupõem
os economistas neoclássicos) ao procurar os fins e os meios que consideram
relevantes no contexto de cada ação em que participam, estabelecendo dessa
maneira, sem se darem conta, um processo espontâneo de coordenação.”
§
O moderno
Protagonismo do Estado
As
democracias representativas modernas se desenvolveram a partir da Revolução
Francesa e da Independência Americana ao longo do século XIX. Como já
mencionamos, foi a liberdade de ação econômica que permeia o desenvolvimento da
liberdade política e social daquela época.
Isto
provoca uma aceleração no crescimento populacional. Em 1800 a população mundial
era estimada em 1 bilhão de pessoas. Em 1900, 1.65 bilhões e em 2000 pouco mais
de 6 bilhões. É possível que este crescimento tenha tido influência na evolução
do pensamento econômico e no rumo que as democracias representativas tomaram
nos séculos XX e XXI? O fato é que neste período, mesmo em regimes
democráticos, os Estados, por meio dos respectivos governos, aumentam
rapidamente a sua ingerência na vida das pessoas. Os regimes sustentados nos
princípios da liberdade individual e da igualdade de oportunidades se
transformam em regimes baseados nos princípios da garantia de direitos a que
todo indivíduo a princípio teria que usufruir, com o Estado como garantidor de
tais direitos.
A
partir da crise dos anos 30, as teorias Keynesianas, que têm no Estado o pivô
para o desenvolvimento, se alastram. A eficácia obtida pelo exercício da função
empresarial da escola austríaca é substituída por uma pretensa racionalidade
que otimizaria os meios para conseguir determinados fins pelo exercício da
decisão tomada por uns poucos, os governantes.
A
massa de indivíduos, seduzida por promessas de bem-estar social, geralmente
atingida pela concessão discricionária de privilégios, acaba renunciando, pouco
a pouco, a sua liberdade e simultaneamente transferindo a sua responsabilidade
para o Estado. A premissa básica, geralmente inconsciente, que leva a esta
situação, é a de que a sociedade evoluiu de tal forma que: em primeiro lugar, todos
têm direito a usufruir determinada condição de vida; a seguir, que esta
condição não exige deles qualquer obrigação que lhes permita contribuir para a
manutenção de tal condição e; por último, que é dever do Estado lhes garantir tal
condição. E os políticos, que em geral suportam as suas ideias nas teorias
coletivistas socializantes, acreditam que isto seja possível e seduzem os
indivíduos com a promessa de realização de tais propósitos.
Deixemos
claro que partimos do pressuposto de que todos desejam o melhor para os
indivíduos e para o desenvolvimento da sociedade, mesmo não sendo estritamente
verdadeiro pois há pessoas que conscientemente prometem o que sabem que não
será entregue. Isolando este fato do contexto geral, o que está em discussão é
a eficácia dos meios escolhidos para atingir determinados fins. Por exemplo,
todos os que experimentamos viver ao longo de períodos inflacionários já temos
consciência dos efeitos nefastos da inflação. Tem aqueles que, de forma
simplista, acham que é só implementar um controle de preços para acabar com
ela. A história demonstra que este não é um meio eficaz de controlar a
inflação. Aquilo que parece óbvio, impedir pelo uso da autoridade e do controle
administrativo o aumento de preços, tem-se demonstrado não ser um meio eficaz
para o controle da inflação.
O
fato é que num mundo cada vez mais complexo, os mecanismos eficazes para lidar
com determinadas situações e eventos em pequenos grupos sociais não funcionam
em grupos maiores. As relações se multiplicam, os dados e informações fluem
dentro da sociedade com velocidade nunca antes vista, os fatores que
influenciam o resultado também se multiplicam e o grau de complexidade aumenta
então exponencialmente. Com o passar do tempo, com o desenvolvimento
tecnológico e com o tamanho das sociedades (povoados, cidades, empresas, etc.)
o mundo do complexo toma conta. Entretanto, a arrogância do ser humano lhe
impede reconhecer os motivos pelos quais ações racionalmente adotadas para
produzir determinados resultados produzem resultados inesperados e não
desejados, muitas vezes opostos àqueles procurados.
§
O Protagonismo da
sociedade como promotor eficaz de progresso em sociedades complexas
Protagonismo
da sociedade significa permitir que as pessoas exerçam a Função Empresarial com
o mínimo de interferências.
Em
termos de funcionamento prático destes princípios, o que afeta o deslocamento
do protagonismo da sociedade para protagonismo do estado é a discussão sobre o
que seria considerado interferência mínima no exercício da Função Empresarial.
Esta
discussão sofre um segundo deslocamento e começa a concentrar-se não mais no
que seria mínima interferência para a da interferência necessária para ter
efetivo controle do processo dinâmico de coordenação social. Parte-se então do
pressuposto que há necessidade de delegação de poder ao Estado para que o
processo de coordenação social possa ser controlado de forma a fornecer
eficácia à alocação de recursos, ou seja, à melhor escolha de meios e fins.
Cabe
mencionar que nas empresas acontece o mesmo fenômeno, o que se traduz em
modelos de gestão baseados no poder e controle, nitidamente inadequados para
atender às necessidades da sociedade nos dias de hoje.
A
partir disto, poder e o controle do Estado sobre as interações sociais são os
princípios que regem a vida em sociedade, o que significa poder e controle de
uns poucos privilegiados sobre a maioria dos indivíduos. Deixou-se de confiar
na capacidade dos indivíduos de serem capazes de exercerem a Função Empresarial
sem a tutela do Estado. O paradoxo é que, nas sociedades democráticas, são as
escolhas dos indivíduos que permitem o aumento desta concentração de poder e a
consequente ingerência do Estado na vida dos indivíduos. Seduzidos pelas
promessas de bem estar social, os indivíduos entregam ao Estado parte das suas
responsabilidades e do controle sobre as próprias decisões em troca de supostos
benefícios decorrentes de direitos que supostamente lhes outorgariam melhores
condições de vida.
Com
o aumento do grau de complexidade nas interações sociais (incluindo os
processos de geração de riqueza), surgem evidências legítimas da perda de
eficiência e eficácia dos processos que surgiram na sociedade descrita acima.
Elas se manifestam da seguinte forma: a) queda do crescimento econômico
(interrupção do processo de geração de riqueza) que novos regulamentos e
intervenções do Estado não conseguem resolver; b) novos modelos de negócio, que
recuperam a Função Empresarial dos indivíduos, demonstram que este é o meio
eficaz de geração de riqueza mas que são combatidos ferozmente pelo
“establishment”.
Entendo
então que seja necessário um esforço concentrado para tornar possível a
recuperação da eficácia dos processos de geração de riqueza que se originam no
exercício da Função Empresarial por parte dos indivíduos, com uma mínima
interferência do Estado. Este esforço exige uma comunicação eficiente com a
sociedade levando-a a refletir sobre o papel que cabe aos indivíduos e ao
Estado.
A
comunicação é necessária para conscientizar, por meio da reflexão provocada,
que a necessária coordenação social que leva ao progresso por meio da geração
de riqueza pode ser obtida sem a interferência excessiva do Estado.
A
comunicação é também necessária para conseguir, por meio das instituições
democráticas, retirar do Estado, e dos indivíduos que o controlam hoje,
verdadeiros privilegiados, boa parte do excessivo poder que eles possuem hoje e
que, naturalmente, se resistirão a entregar.
Quem
quiser se aprofundar nestes conceitos, recomendo e listo a seguir uma série de
livros que tratam deste assunto.
HAYEK,
F. A. Direito, legislação e liberdade:
uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia politica –
Volumes II A Miragem da Justiça Social São
Paulo: Editora Visão, 1985 - Download em pdf: http://www.libertarianismo.org/livros/fahdllvol2.pdf
HAYEK,
F. A. Direito, legislação e liberdade:
uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia politica –
Volumes III, A Ordem Política de um Povo Livre
São Paulo: Editora Visão, 1985 - Download em pdf: http://www.libertarianismo.org/livros/fahdllvol3.pdf
MICKLETHWAIT,
John; WOOLDRIDGE, Adrian A Quarta Revolução
- A Corrida Global para Reinventar o Estado – Editora D.QUIXOTE