quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A Escola Austriaca – Protagonismo do Estado vs. Protagonismo da Sociedade

A Escola Austriaca – Protagonismo do Estado vs. Protagonismo da Sociedade
Por Cristian Welsh Miguens ( https://criswelmig.blogspot.com ) – 20/08/2016

Este artigo tenta mostrar por que os esforços para melhorar a competitividade, especialmente no Brasil, requerem compreender melhor os conceitos defendidos pela Escola Austríaca de Economia, convencidos que estamos que devolver à sociedade, especialmente aos indivíduos, o seu devido protagonismo, em substituição ao protagonismo do Estado, característica atual, é imprescindível para a retomada do progresso sustentado.

§  Visão Histórica – o surgimento da Escola Austríaca
Os séculos XVIII e XIX representam historicamente os que marcaram uma transformação na sociedade. Esta transformação é comumente associada à Revolução Industrial. Esta Revolução por sua vez, é rotineiramente explicada como sendo fruto do desenvolvimento tecnológico decorrente da disseminação do conhecimento propiciado pela invenção da imprensa no século XV.
Todo este período, que teve início na Renascença, possui identificação ideológica com os princípios defendidos pela Escola Austríaca. Carl Menger (1840 – 1921) é considerado o fundador desta Escola. Seus discípulos foram Böhm-Bawerk (1851 – 1914), Ludwig Von Misses (1881 – 1973) e Friederich Hayek (1889 – 1992). A inspiração inicial pode ser identificada nos notáveis teóricos que foram os membros da Escola de Salamanca do Século de Ouro espanhol.
Sob uma perspectiva sócio-económica, para Hayek “.. a civilização construída pelo homem moderno a partir da Renascença era, acima de tudo, uma civilização individualista. O individualismo, que a partir de elementos fornecidos pelo cristianismo e pela filosofia da antiguidade clássica pôde desenvolver-se pela primeira vez em sua forma plena durante a Renascença e desde então evoluiu e penetrou na chamada civilização ocidental, tendo como característica essencial o respeito pelo indivíduo como ser humano, isto é, o reconhecimento da supremacia de suas preferências e opiniões na esfera individual, por mais limitada que esta possa ser, e a convicção de que é desejável que os indivíduos desenvolvam dotes e inclinações pessoais.”
Foi uma época essencial para a evolução da civilização ocidental com base em princípios que posteriormente se materializaram nas Constituições de diversos países, tais como liberdade, respeito à propriedade privada e liberdade de expressão.
§  O Socialismo e seu impacto na vida moderna
Já no fim do século XIX e no início do século XX a sociedade foi afastando-se progressivamente das ideias básicas sobre as quais se erguera a civilização ocidental, gerando, por um lado, as ideias defendidas a partir de Adam Smith pelos economistas neoclássicos, e por outro, as ideias socialistas que geraram os regimes fascistas e comunistas, ou seja, os totalitarismos que se manifestaram inicialmente na Rusia, Alemanha e Itália, provocando duas guerras mundiais, a guerra fria, a guerra da Coreia, a guerra do Vietnã as tentativas de tomada do poder por meio do terrorismo na Europa e na América Latina a partir do fim da década de 60 até os anos80. Mesmo após a queda do muro de Berlim, o socialismo continua gerando regimes totalitários e guerras. Os regimes nos países árabes, no oriente médio e os regimes como os de Irã, Iraque, Afeganistão, Paquistão e Síria, têm como gênese a intolerância, em contraposição à tolerância que reina nos países onde o individualismo e a liberdade preponderam. Mesmo nestes países, aos poucos foi sendo abandonada aquela liberdade de ação econômica sem a qual a liberdade política e social jamais existiu no passado.
O individualismo tem hoje uma conotação negativa e passou a ser associado ao egoísmo. Mas o individualismo a que nos referimos, em oposição ao socialismo e a todas as outras formas de coletivismo, não está necessariamente relacionado a tal acepção. Está intimamente ligado ao que esta Escola do pensamento denomina a Função Empresarial.
§  A Função Empresarial
O exercício da função empresarial acontece quando qualquer pessoa atua modificando o presente para conseguir os seus objetivos no futuro. Em suma, empresa é sinônimo de ação e atitude empreendedora que consiste em continuamente tentar procurar, descobrir ou criar novos fins e meios ou basicamente em descobrir e avaliar as oportunidades de conseguir algum benefício ou lucro levando em conta as circunstâncias do seu meio ambiente, agindo de modo a aproveitá-las.
Quer dizer que nós agimos sempre como empresários e que este termo não fica restrito apenas àqueles que são proprietários de uma empresa. Agimos desta forma tanto como produtores quanto como consumidores.
Toda vez que se descobrem ou criam novos meios e/ou fins há uma modificação do conhecimento do empresário, que passa a possuir uma nova informação que antes não tinha.
Para melhor compreensão, segue um trecho do livro A Escola Austríaca, de Jesus Huerta de Soto (2ª Edição - Instituto Ludwig von Mises Brasil – 2010): “Para os austríacos, a economia está integrada dentro de uma ciência muito mais geral e ampla, uma teoria da ação humana (e não da decisão ou escolha humanas defendida pelos economistas neoclássicos).” Para a Escola Austríaca “ .. a Ciência Econômica constrói-se partindo sempre do ser humano real de carne e osso, considerado como agente criativo e protagonista de todos os processos sociais. As restrições em economia não são impostas por fenômenos objetivos ou fatores materiais do mundo exterior (por exemplo, as reservas de petróleo), mas antes pelo conhecimento humano de tipo empresarial (a descoberta de um carburador que conseguisse duplicar a eficiência dos motores de explosão teria o mesmo efeito econômico que uma duplicação do total de reservas físicas de petróleo). Por isso, para a Escola Austríaca, a produção não é um fato físico natural e externo, sendo antes, pelo contrário, um fenômeno intelectual e espiritual (Mises, 1995: 169).”
Ainda conforme Jesus Huerta de Soto na mencionada obra: “O ato empresarial consiste basicamente em criar ou transmitir nova informação que forçosamente há de modificar a percepção geral de objetivos e de meios de todos os agentes implicados na sociedade. O problema econômico fundamental que se coloca na Escola Austríaca consiste em estudar o processo dinâmico de coordenação social no qual os diferentes seres humanos geram empresarialmente e de forma continuada nova informação (que, portanto, jamais está “dada”, como pressupõem os economistas neoclássicos) ao procurar os fins e os meios que consideram relevantes no contexto de cada ação em que participam, estabelecendo dessa maneira, sem se darem conta, um processo espontâneo de coordenação.”
§  O moderno Protagonismo do Estado
As democracias representativas modernas se desenvolveram a partir da Revolução Francesa e da Independência Americana ao longo do século XIX. Como já mencionamos, foi a liberdade de ação econômica que permeia o desenvolvimento da liberdade política e social daquela época.
Isto provoca uma aceleração no crescimento populacional. Em 1800 a população mundial era estimada em 1 bilhão de pessoas. Em 1900, 1.65 bilhões e em 2000 pouco mais de 6 bilhões. É possível que este crescimento tenha tido influência na evolução do pensamento econômico e no rumo que as democracias representativas tomaram nos séculos XX e XXI? O fato é que neste período, mesmo em regimes democráticos, os Estados, por meio dos respectivos governos, aumentam rapidamente a sua ingerência na vida das pessoas. Os regimes sustentados nos princípios da liberdade individual e da igualdade de oportunidades se transformam em regimes baseados nos princípios da garantia de direitos a que todo indivíduo a princípio teria que usufruir, com o Estado como garantidor de tais direitos.
A partir da crise dos anos 30, as teorias Keynesianas, que têm no Estado o pivô para o desenvolvimento, se alastram. A eficácia obtida pelo exercício da função empresarial da escola austríaca é substituída por uma pretensa racionalidade que otimizaria os meios para conseguir determinados fins pelo exercício da decisão tomada por uns poucos, os governantes.
A massa de indivíduos, seduzida por promessas de bem-estar social, geralmente atingida pela concessão discricionária de privilégios, acaba renunciando, pouco a pouco, a sua liberdade e simultaneamente transferindo a sua responsabilidade para o Estado. A premissa básica, geralmente inconsciente, que leva a esta situação, é a de que a sociedade evoluiu de tal forma que: em primeiro lugar, todos têm direito a usufruir determinada condição de vida; a seguir, que esta condição não exige deles qualquer obrigação que lhes permita contribuir para a manutenção de tal condição e; por último, que é dever do Estado lhes garantir tal condição. E os políticos, que em geral suportam as suas ideias nas teorias coletivistas socializantes, acreditam que isto seja possível e seduzem os indivíduos com a promessa de realização de tais propósitos.
Deixemos claro que partimos do pressuposto de que todos desejam o melhor para os indivíduos e para o desenvolvimento da sociedade, mesmo não sendo estritamente verdadeiro pois há pessoas que conscientemente prometem o que sabem que não será entregue. Isolando este fato do contexto geral, o que está em discussão é a eficácia dos meios escolhidos para atingir determinados fins. Por exemplo, todos os que experimentamos viver ao longo de períodos inflacionários já temos consciência dos efeitos nefastos da inflação. Tem aqueles que, de forma simplista, acham que é só implementar um controle de preços para acabar com ela. A história demonstra que este não é um meio eficaz de controlar a inflação. Aquilo que parece óbvio, impedir pelo uso da autoridade e do controle administrativo o aumento de preços, tem-se demonstrado não ser um meio eficaz para o controle da inflação.
O fato é que num mundo cada vez mais complexo, os mecanismos eficazes para lidar com determinadas situações e eventos em pequenos grupos sociais não funcionam em grupos maiores. As relações se multiplicam, os dados e informações fluem dentro da sociedade com velocidade nunca antes vista, os fatores que influenciam o resultado também se multiplicam e o grau de complexidade aumenta então exponencialmente. Com o passar do tempo, com o desenvolvimento tecnológico e com o tamanho das sociedades (povoados, cidades, empresas, etc.) o mundo do complexo toma conta. Entretanto, a arrogância do ser humano lhe impede reconhecer os motivos pelos quais ações racionalmente adotadas para produzir determinados resultados produzem resultados inesperados e não desejados, muitas vezes opostos àqueles procurados.
§  O Protagonismo da sociedade como promotor eficaz de progresso em sociedades complexas
Protagonismo da sociedade significa permitir que as pessoas exerçam a Função Empresarial com o mínimo de interferências.
Em termos de funcionamento prático destes princípios, o que afeta o deslocamento do protagonismo da sociedade para protagonismo do estado é a discussão sobre o que seria considerado interferência mínima no exercício da Função Empresarial.
Esta discussão sofre um segundo deslocamento e começa a concentrar-se não mais no que seria mínima interferência para a da interferência necessária para ter efetivo controle do processo dinâmico de coordenação social. Parte-se então do pressuposto que há necessidade de delegação de poder ao Estado para que o processo de coordenação social possa ser controlado de forma a fornecer eficácia à alocação de recursos, ou seja, à melhor escolha de meios e fins.
Cabe mencionar que nas empresas acontece o mesmo fenômeno, o que se traduz em modelos de gestão baseados no poder e controle, nitidamente inadequados para atender às necessidades da sociedade nos dias de hoje.
A partir disto, poder e o controle do Estado sobre as interações sociais são os princípios que regem a vida em sociedade, o que significa poder e controle de uns poucos privilegiados sobre a maioria dos indivíduos. Deixou-se de confiar na capacidade dos indivíduos de serem capazes de exercerem a Função Empresarial sem a tutela do Estado. O paradoxo é que, nas sociedades democráticas, são as escolhas dos indivíduos que permitem o aumento desta concentração de poder e a consequente ingerência do Estado na vida dos indivíduos. Seduzidos pelas promessas de bem estar social, os indivíduos entregam ao Estado parte das suas responsabilidades e do controle sobre as próprias decisões em troca de supostos benefícios decorrentes de direitos que supostamente lhes outorgariam melhores condições de vida.
Com o aumento do grau de complexidade nas interações sociais (incluindo os processos de geração de riqueza), surgem evidências legítimas da perda de eficiência e eficácia dos processos que surgiram na sociedade descrita acima. Elas se manifestam da seguinte forma: a) queda do crescimento econômico (interrupção do processo de geração de riqueza) que novos regulamentos e intervenções do Estado não conseguem resolver; b) novos modelos de negócio, que recuperam a Função Empresarial dos indivíduos, demonstram que este é o meio eficaz de geração de riqueza mas que são combatidos ferozmente pelo “establishment”.
Entendo então que seja necessário um esforço concentrado para tornar possível a recuperação da eficácia dos processos de geração de riqueza que se originam no exercício da Função Empresarial por parte dos indivíduos, com uma mínima interferência do Estado. Este esforço exige uma comunicação eficiente com a sociedade levando-a a refletir sobre o papel que cabe aos indivíduos e ao Estado.
A comunicação é necessária para conscientizar, por meio da reflexão provocada, que a necessária coordenação social que leva ao progresso por meio da geração de riqueza pode ser obtida sem a interferência excessiva do Estado.
A comunicação é também necessária para conseguir, por meio das instituições democráticas, retirar do Estado, e dos indivíduos que o controlam hoje, verdadeiros privilegiados, boa parte do excessivo poder que eles possuem hoje e que, naturalmente, se resistirão a entregar.
Quem quiser se aprofundar nestes conceitos, recomendo e listo a seguir uma série de livros que tratam deste assunto.

MISSES, Ludwig von  Ação Humana – Um Ttratado de Economia – 3ª Edição São Paulo: Instituto Ludwig von Misses, 2010 – Download em pdf: http://www.mises.org.br/files/literature/A%C3%A7%C3%A3o%20Humana%20-%20WEB.pdf
MISSES, Ludwig von  As Seis Lições – 7ª Edição São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009 – Download em pdf: http://www.mises.org.br/files/literature/As%20Seis%20Li%C3%A7%C3%B5es%20MISES.pdf
HAYEK, F. A.  O Caminho da Servidão – 6ª Edição São Paulo: Instituto Ludwig von Misses, 2010 - Download em pdf: http://ffn-brasil.org.br/novo/PDF-ex/Publicacoes/Caminho_Servidao.pdf
HAYEK, F. A.  Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia politica – Volumes I, Normas e Ordem São Paulo: Editora Visão, 1985 - Download em pdf: http://www.libertarianismo.org/livros/fahdllvol1.pdf
HAYEK, F. A.  Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia politica – Volumes II A Miragem da Justiça Social  São Paulo: Editora Visão, 1985 - Download em pdf: http://www.libertarianismo.org/livros/fahdllvol2.pdf
HAYEK, F. A.  Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia politica – Volumes III, A Ordem Política de um Povo Livre  São Paulo: Editora Visão, 1985 - Download em pdf: http://www.libertarianismo.org/livros/fahdllvol3.pdf
HAYEK, F. A.  A Arrogância Fatal: Os Erros do Socialismo  –São Paulo: IEE, 1995 - Download em pdf: http://www.libertarianismo.org/livros/fahaarroganciafatal.pdf
HAYEK, F. A.  Os Fundamentos da Liberdade – São Paulo: Editora Visão, 1983 - Download em pdf: http://www.libertarianismo.org/livros/fahofdl.pdf
SOTO, Jesus Huerta de  A Escola Austríaca – 2ª Edição São Paulo: Instituto Ludwig von Misses, 2010 – Download em pdf: http://www.mises.org.br/files/literature/Escola%20Austr%C3%ADaca%20-%20Mercado%20e%20criatividade%20empresarial%20-%20WEB.pdf 
HAYEK, F. A.  Desestatizacao do Dinheiro - Uma análise da Teoria e Prática das Moedas Simultâneas – São Paulo : Instituto Ludwig von Mises. Brasil, 2011 - Download em pdf: http://www.mises.org.br/files/literature/Desestatiza%C3%A7%C3%A3o%20do%20dinheiro.pdf
MICKLETHWAIT, John; WOOLDRIDGE, Adrian  A Quarta Revolução - A Corrida Global para Reinventar o Estado – Editora D.QUIXOTE

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